A digitalização da economia e da sociedade, que a pandemia só veio acelerar, tem tanto de fascinante como de assustadora. Por um lado, não há praticamente ninguém que não reconheça vantagens nesta transformação, seja em termos de comodidade, melhor acesso à informação, maior justiça em termos de oportunidades, maior rapidez e mais eficiência, seja no acesso e comunicação com o outro, seja na velocidade e eficácia com que se fazem negócios.
O “outro lado da moeda” é a ameaça de que a digitalização torne obsoleta parte importante da mão-de-obra atualmente no ativo ou que ocorra a uma velocidade tal que uma fatia significativa da população laboral não seja capaz de se adaptar a tempo de não ficar pelo caminho.
Uma visão mais otimista de como se fará este caminho tão novo diz-nos que, como aconteceu noutros momentos de grande mudança, os indivíduos saberão adaptar-se. As anteriores revoluções industriais não trouxeram o fim do mundo e assim se espera que aconteça também desta vez.
Se várias profissões vão deixar de fazer sentido, estão a surgir outras necessidades e, para essas, será preciso mais mão-de-obra no mercado. É o caso dos programadores, dos especialistas em inteligência artificial, dos peritos em “big data” ou dos entendidos em marketing digital, entre tantos outros. Depois, não são só as áreas de atividade que estão a mudar. Também o que faz de um profissional alguém competitivo e com capacidade para vingar no mercado e trazer valor a uma empresa está a mudar. A inteligência emocional, a flexibilidade e capacidade de adaptação e resolução de problemas, as competências interpessoais e comunicacionais ou a criatividade fazem parte das chamadas soft skills, cada vez mais valorizadas.
É aqui que entram o reskilling e o upskilling. Muitos empregos vão ser diferentes, é um facto, o que implica procurar competências alternativas (reskilling), mais adequadas às novas necessidades do mercado de trabalho, ou aperfeiçoar e complementar as que já se possui (upskilling). Tudo dependerá, claro está, da área de atividade de que estejamos a falar e da função em si.
Os primeiros tenderão a ser mais versáteis, podendo mesmo passar por uma mudança de carreira. Os segundos serão ainda mais especializados, já que não mudam de área de atividade, mas fazem um “upskill” das competências que já possuíam na mesma.
As boas notícias são que, neste momento, o mercado de trabalho tem um défice considerável de profissionais preparados para as necessidades digitais. E isto significa, lá está, que, se algumas áreas se estão a tornar supérfluas, outras precisam desesperadamente de mais gente, o que traz consigo novas oportunidades de emprego.
O ónus do ajuste aos novos tempos não vai, no entanto, estar apenas do lado do trabalhador. As próprias empresas também terão de investir na adaptação e “modernização” dos seus quadros. Pensar que tudo se resolve através de uma simples substituição de trabalhadores mais seniores por recém-licenciados, por exemplo, promete ser um grande erro. Não só não soluciona o problema da adaptação ao digital como pode ter custos elevados, abalando a cultura de uma instituição e desperdiçando experiência adquirida. Fazer grandes mudanças nos quadros de pessoal implica contabilizar o tempo e investimento necessários à adaptação dos novos funcionários à empresa. Acresce que se corre o risco de perder talentos importantes que podiam fazer a adaptação às novas necessidades simplesmente através da formação certa. Os trabalhadores têm de se manter competitivos, mas as empresas também.
A necessidade de se apostar em dotar a mão-de-obra de competências tecnológicas especializadas é já um dado adquirido, o que significa que muitas empresas terão de começar a pensar em contemplar uma fatia relevante dos seus orçamentos para a requalificação dos seus recursos humanos. Sob pena de comprometer a sua capacidade de se manter competitiva e acompanhar os desafios da digitalização.
A velocidade a que tudo muda é tão grande que, mais do que a grande especialização numa só área, o mundo precisa de pessoas abertas à mudança e que saibam ajustar-se e acompanhar as evoluções que vão surgindo. Assim, se é fundamental investir no aumento das competências digitais dos quadros da empresa, não é menos importante procurar ter uma força de trabalho rica em soft skills, as tais que, até há bem pouco tempo, eram tão subvalorizadas.
A forma como cada empresa fará esse processo de transformação do seu quadro de pessoal será sempre diferente e particular, variando em escala e propósitos. Para que o investimento a fazer cumpra os objetivos, sem desperdício de recursos, há que perceber, em primeiro lugar, que necessidades existem e, depois, de que forma é que as atuais competências dos colaboradores respondem ou não a tais requisitos.
Depois há que decidir como será a formação necessária posta em prática e se vai ser externalizada (ou seja, feita com a contratação de terceiros para o efeito) ou com recursos internos. E de que forma pode ser executada sem causar grandes entropias à normal atividade da empresa.
Se dúvidas havia de que o ser humano se adapta a quase tudo, a atual pandemia veio deixar claro que sim, o indivíduo tem competências muito superiores ao que se poderia imaginar. E esta “quarta revolução industrial” não será a exceção à regra.